sábado, 21 de março de 2020

FECHO DAS URGÊNCIAS EM TRÊS LINHAS?




FECHO DAS URGÊNCIAS EM TRÊS LINHAS?


SAMS - UM PARTO DIFÍCIL

A história da minha vida sindical não é tão importante que mereça ser passada a escrito, contudo é um pretexto para aqui dar a conhecer alguns trechos das vivências que no sindicato a que pertenço desde 1969 se verificaram.

Nesse tempo nem os trabalhadores bancários, nem as instituições bancárias, descontavam para a segurança social, condição necessária para terem acesso aos serviços de saúde que o estado proporcionava, pelo que, para de alguma forma suprir essa falta, alguns bancos tinham rudimentares serviços de apoio na saúde, essencialmente nas grandes cidades, além de contractos com algumas farmácias para proporcionarem descontos. Resumindo: os trabalhadores bancários não tinham nenhum sistema de saúde e as reformas eram asseguradas por cada banco.

Com o 25 de Abril (e a revolução dos cravos) os bancários e o sindicato iniciaram uma luta pela constituição de um serviço de assistência médico social.

A importância da nacionalização da Banca na vida dos trabalhadores bancários (e não só) reflectiu-se, indiscutivelmente, na constituição dos SAMS. Contudo, não se pode dizer que os bancários se acomodassem e disso é prova a ocupação do “Palacete” (ex-instalações dos SAMS na Marquês da Fronteira - Lisboa) por centenas de bancários que ali permaneceram, revezando-se, durante meses, dia e noite, até se consolidar como propriedade legal do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas (SBSI).



ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇOS DE SAÚDE

E, assim, os SAMS, foram-se consolidando como uma entidade prestadora de serviços de saúde, suportada pelas comparticipações dos sócios do SBSI e dos Bancos assente nas clausulas do Contracto Colectivo de Trabalho, gerida por um Conselho de Gerência por Delegação da Direcção do Sindicato.

Realço que os SAMS são uma entidade prestadora de serviços de saúde em oposição a uma entidade pagadora de serviços de saúde. Esta substancial diferença é de assinalar pois foi, à época, considerado que caso se optasse por ser uma entidade pagadora de serviços de saúde a terceiros estar-se-ia sempre dependente dos mercados de saúde constituídos por entidades que fazem da saúde um negócio.

Com o passar dos anos os serviços prestados no “Palacete” aos bancários alargaram-se com a implementação de instalações nos arredores de Lisboa e a nível de TODOS os Distritos na área abrangida pelo SBSI (zona sul e ilhas). Contudo, o enorme impulsionamento dos SAMS verificou-se aquando das inaugurações do Hospital dos Olivais (Lisboa), da Casa de Repouso em Azeitão (Setúbal), de inúmeras Delegações de Saúde e das actuais instalações do Centro Clínico de Lisboa.

E o “Palacete”? Estava pensado (e já havia projecto) que iria ser a futura sede social do SBSI, pensamento que ficou pelo caminho e que deixou de ser exequível após ter sido vendido.



A COBIÇA DAS ENTIDADES PRIVADAS

O crescimento deste nosso sistema de saúde terá atraído as atenções dos que negoceiam nesta área. Efectivamente, em 2008, a então Direcção do SBSI avançava com negociações sigilosas para entregar ao Grupo HPP Saúde o controlo operacional do Centro Clínico, dos Postos Periféricos e do Hospital dos SAMS.

Foram os bancários, unidos em torno da tendência sindical MUDAR, que contribuíram para anular esta intenção da Direcção do SBSI, tendo inclusive confrontado esses maus decisores com os dados contabilísticos que provavam a aberração de uma tal intenção:

RUBRICA CONTABILÍSTICA 2006
HPP
SAMS



Imobilizado
9.686.414
31.076.144
Existência
1.473.732
3.096.772
Dívidas de Terceiros C/Prazo
10.880.366
70.850.709
Activo Total
28.882.919
113.428.247
Capitais/Fundos Próprios
16.558.393
46.009.194
Proveitos e Ganhos
53.324.783
155.143.719
Resultados Líquidos
318.360
582.721
Resultados Operacionais
1.471.523
5.953.103

E de novo se questionou: O que queremos dos SAMS? Um prestador de serviços de saúde ou um intermediário na prestação de serviços de saúde feitos por outrem?

Os bancários responderam inequivocamente: Queriam uns SAMS propriedade exclusiva do SBSI e prestador de serviços de saúde.



AS DÚVIDAS NUM PROTOCOLO FICAM SEM RESPOSTA

Algum tempo depois desta intenção os Bancários foram de novo confrontados, sem consulta prévia ou posterior, com a aprovação de um “protocolo com a AdvanceCare que consubstancia o novo Plano de Benefícios, (que) surge para tentar dar resposta a estas dificuldades”, que, ainda segundo Rui Riso, (actual Presidente da Direcção do SBSI) consiste, também, em os beneficiários terem “enorme dificuldade em marcar consultas pois a capacidade do Centro Clínico está esgotada”. Pois…!

E, disse ainda Rui Riso, que “o protocolo não é mais nem menos que o alargamento de uma rede de entidades convencionadas”. Pois, pois, pois...

As dúvidas (que eram muitas) não tenho conhecimento que o Presidente da Direcção do SBSI as tenha desfeito. Dúvidas, que então se punham e que ainda hoje talvez se possam continuar a colocar:

Que serviços de saúde presta a AdvanceCare?

Não será a AdvanceCare um mero intermediário entre o SAMS e os prestadores directos dos serviços de saúde?

Com a introdução de um elemento novo, com fins lucrativos, entre o SAMS e os prestadores de serviços de saúde, não estamos a encarecer o produto/serviços que o SAMS/beneficiários pagam?

Não será este protocolo um sinal claro da incapacidade de gestão da equipa dos SAMS?

O SAMS com o prestígio que tem, com o número de beneficiários que abrange, com a estrutura hospitalar que incorpora, com orçamento que gere não consegue ter uma capacidade negocial superior à AdvanceCare? Nem na sua área de influência (Sul e Ilhas)?

O SAMS, ao encaminhar, cegamente, para a AdvanceCare toda a sua “base de beneficiários” não está a correr, com alguma leviandade, o risco de desertificação interna?

Que garantias o SAMS exige para preservar a sua individualidade e os objectivos específicos que prossegue?

Que cláusulas de salvaguarda dos interesses do SAMS existem no Protocolo, que permitam o eventual “emendar a mão” se o mesmo se mostrar ruinoso na sua aplicação prática?

Esta “abertura” foi início de muitas outras sem que os sócios do SBSI fossem devidamente esclarecidos das vantagens que daí advinham para o seu serviço de saúde.

DOIS EXEMPLOS E UMA DÚVIDA:

- As análises clínicas eram feitas em laboratório propriedade dos SAMS; o laboratório foi encerrado e contratualizada uma empresa para o efeito. Cai parcialmente o princípio de os SAMS serem uma instituição prestadora de serviços directos.

- O Hospital deixou de fazer partos e foram transferidos para uma outra instituição "protocolarizada". Desde a inauguração do Hospital que se sabia que manter o mínimo necessário de cinco equipes de profissionais dedicados a fazer partos (24 sobre 24 horas nos 365 dias do ano) e também acompanhar os nascituros, constituía uma despesa sem retorno total, não obstante, ter sido um custo político assumido no pressuposto que os SAMS eram uma instituição prestadora de serviços directos.

- Os beneficiários dos SAMS (sócios do SBSI) ficam surpreendidos ao saberem (?) que há utentes dos nossos serviços de saúde (não sócios do SBSI) que alegadamente pagam valores inferiores pelos serviços prestados relativamente a idênticos serviços pagos pelos beneficiários. Esta é uma situação que, a existir, em si mesma me não preocupa. A minha preocupação e dúvida é outra.

A um serviço específico (uma consulta, por exemplo) é atribuído (também a título de exemplo) um valor de 10K (Código de Nomenclatura e Valor Relativo de Actos Médicos.) que poderá ser o montante que os SAMS receberão directa ou indirectamente e que representa o custo real do serviço. Se um beneficiário (sócio do SBSI) pagar directamente 7K pelo serviço pressupõe-se que os 3K em falta são pagos através dos descontos que mensalmente este beneficiário faz (quer utilize ou não o serviço). Se, no entanto, um utente (não sócio do SBSI) só pagar, por exemplo, 3K (menos, portanto, que o beneficiário sócio do SBSI paga directamente) os SAMS estarão a ser prejudicados em 7K (pois o total da consulta são 10K), excepto se os serviços de saúde ou a seguradora a que este utente pertencer pague os ditos 7K em falta. (NOTA: Para uma melhor compreensão substitua K por € )

Gostaria, pois, de ver esta dúvida esclarecida de forma simples. Nada tenho contra um utente dos SAMS (não sócio do SBSI) pagar um valor inferior ao que eu pago por um mesmo serviço desde que os SAMS, no final, recebam o total que esse serviço custa. Se assim não for, nós, sócios do SBSI, estamos a contribuir para os lucros das empresas de saúde com que os SAMS tenham protocolos. Estamos a apoiar a concorrência. Também aqui a Direcção tem que confirmar ou negar estes pressupostos e, sobretudo, esclarecer os sócios do SBSI



TRÊS LINHAS PARA JUSTIFICAR O FECHO DAS URGÊNCIAS

Apesar de tudo, incluindo o não muito bom relacionamento do actual SBSI com os seus trabalhadores e os dos SAMS, os sócios do SBSI tinham a percepção que o seu serviço de saúde era um oásis no panorama da saúde em Portugal. Mesmo com as dificuldades que sentiam quando pretendiam marcar consultas ou exames. Mas, a Direcção do SBSI / Conselho de Gerência dos SAMS trouxe para cima da mesa uma desconfiança quiçá insanável.

Em 13 de Março passado recebi, como muitos outros beneficiários dos SAMS, uma comunicação que essencialmente impede o acesso a todas as unidades de Saúde dos SAMS e que privilegia as consultas com médicos via telefone e, só se necessário (e ou urgente) as consultas poderiam vir a ser presenciais. Além de outras medidas que será fastidioso e menos importante realçar.

Esta medida, que me não agradou, também não era radical. Pensei, na altura, que o SNS tem demonstrado ter capacidade para continuar a consultar presencialmente doentes, sendo, no entanto, aconselhados a contactarem, primeiro, a linha SNS24. Seria lógico supor que os SAMS tivessem uma maior amplitude de acção que o SNS, considerando que se dirigem a uma população numericamente inferior àquela que o SNS abrange. Tudo nos leva a deduzir que assim não acontece. Porquê?!

E, eis que ontem, dia 20 de Março, recebi mais uma comunicação dos SAMS, com uma justificação alinhavada numas três linhas:

Suspensão da urgência do Hospital dos Olivais

Tendo em conta a situação de surto da COVID-19 a DGS recomendou a suspensão da urgência do Hospital dos Olivais de forma a concentrar todos os esforços no tratamento dos doentes internados.

Recomendamos aos nossos Beneficiários que se dirijam a outros Serviços de Urgência

Entretanto, chegou ao meu conhecimento que alguns beneficiários dos SAMS estão a receber comunicações anulando consultas e outros actos médicos, não só para os meses de Abril e Maio, mas, inclusive (!) para Setembro.

Não questiono (porque não tenho dados para o fazer) da necessidade de se ter encerrado na prática todos os serviços de prestação de saúde dos SAMS, incluindo as urgências. Evidentemente que me sinto um pouco incrédulo por um hospital encerrar as urgências devido, segundo a comunicação, a um surto epidémico. Todos os médicos que fazem urgências foram contagiados? E se todos os hospitais fizessem o mesmo?

Por tudo isto entendo que o Presidente da Direcção do nosso sindicato tem o dever (para não dizer a obrigação) de, pelo menos, informar, de forma aprofundada e pormenorizada, as razões que justificam plenamente o encerramento das urgências. Os trabalhadores bancários, sócios do SBSI, merecem mais do que uma explicação (?) dada em apenas duas ou três linhas.

Se o SAMS/SBSI está doente… os bancários têm o direito de obter esclarecimentos e respostas. A Direcção tem a obrigação de esclarecer e responder.


E, permitam-me, à laia de desabafo: ...felizmente ainda temos (espero que por muitos anos) o Serviço Nacional de saúde!



4 comentários:

  1. A culpa é nossa que temos vindo a assistir à degradação dos serviços e continuamos calados. Só falámos quando foi da manobra dos 6.000 milhões dos Fundos de Pensões, no anfiteatro da Faculdade de Medicina Dentária, mas eles não ouviram o que os sócios disseram e nós também não fizemos mais nada... Tinhamos milhoes na CAFEB e nunca soubémos bem para onde foi esse dinheiro que era nosso. E agora estes negócios com a Advance Care, com essa coisa dos preços, com a desmarcação de exames e de consultas e com o encerramento das Urgências no Hospital que é ou era nosso, há muito que tem que ser esclarecido e depressa. Sei que o momento que o país vive, todos nós, estamos a viver, envolve muitas situações nunca antes vistas nem sonhadas, mesmo assim penso que temos o direito de ser esclarecidos.

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  2. A culpa é nossa que temos vindo a assistir à degradação dos serviços e continuamos calados. Só falámos quando foi da manobra dos 6.000 milhões dos Fundos de Pensões, no anfiteatro da Faculdade de Medicina Dentária, mas eles não ouviram o que os sócios disseram e nós também não fizemos mais nada... Tínhamos milhões na CAFEB e nunca soubemos bem para onde foi esse dinheiro que era nosso. E agora estes negócios com a Advance Care, com essa coisa dos preços, com a desmarcação de exames e de consultas e com o encerramento das Urgências no Hospital que é ou era nosso, há muito que tem que ser esclarecido e depressa. Sei que o momento que o país vive, todos nós, estamos a viver, envolve muitas situações nunca antes vistas nem sonhadas, mesmo assim penso que temos o direito de ser esclarecidos.

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  3. SINDICATO MÉDICO CRITICA FECHO URGÊNCIAS SAMS

    Ver em:

    https://observador.pt/2020/03/22/sindicato-independente-dos-medicos-apela-ao-sindicato-dos-bancarios-para-nao-encerrar-sams/?fbclid=IwAR096QxePvfifoTRyH3Iemu0DdCklXmX78HlcFRhNtdZ2lIuZpopF0ibJHI

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