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obtida no Portal do “Guia da Cidade PT”
O
ESTADO DE EMERGÊNCIA E O MUNDO DO TRABALHO
Com
a devida vénia e por com ele concordar, transcrevo na integra o
texto de Henrique Sousa, Coordenador da Direcção da PRÁXIS, a cuja
fonte original se pode aceder
AQUI
“Estado
de emergência: não havia necessidade de ofender o mundo do trabalho
e direitos fundamentais!
O projecto de decreto presidencial para a renovação do estado de emergência hoje aprovado por maioria na AR dá um passo perigoso e desnecessário, mantendo a suspensão do direito de greve, alargando ainda mais o âmbito das actividades cobertas e suspendendo também o imperativo legal de audição das associações sindicais na elaboração das leis laborais.
O instrumento legal da requisição civil em caso de greve, de que o Governo já antes usou e abusou quando dele precisou, seria suficiente e o seu uso legal não depende da declaração do estado de emergência. A suspensão da consulta às organizações sindicais quanto às leis laborais que seja preciso decretar com fundamento na urgência e falta de tempo não tem sentido: o decreto do estado de emergência poderia prever um regime simplificado, adaptado e urgente de consulta em vez do processo normal, mais moroso.
Não havia necessidade de ofender assim os trabalhadores da saúde e de tantos sectores essenciais, que estão na linha da frente do combate à pandemia e têm manifestado enorme empenho e responsabilidade, apesar da frequente falta de protecção adequada e dos casos de manifesta prepotência e arbítrio patronais. Esta deliberação vai também ao arrepio da responsabilidade manifestada nesta crise pelos trabalhadores e pelas associações sindicais. E contrasta com os sinais de manifesto enviesamento em favor das empresas, dos empregadores, e dos bancos, das medidas de protecção tomadas pelo Governo.
Veja-se o que se passa com o manifesto proteccionismo dos banqueiros nas linhas de crédito aprovadas, com garantia do Estado (ou seja, sem risco!), a quem é concedido o direito de impor às famílias e às empresas taxas de juro mais elevadas que antes da crise, acrescidas de fartas comissões de gestão e de risco, enquanto continuam a financiar-se para isso a taxas de juro negativas junto do BCE. Ou a falta de mecanismos de controlo da boa aplicação dos escassos recursos públicos colocados à disposição das empresas. Ou a inexistência de medidas de proibição de distribuição de dividendos, lucros, suplementos, de controlo da fuga de capitais, ou de limitação dos salários e prémios de gestores e administradores nesta situação de emergência social em que todos deviam contribuir com proporcionalidade.
Estas disposições do decreto do PR, e a sua concordância pelo Governo, são um sinal perverso e errado, anti-sindical, favorecendo a impunidade de empregadores sem escrúpulos que usam a crise para benefício próprio, para despedir sem razão atendível e para ofender impunemente direitos dos trabalhadores. Os mesmo que já beneficiam da evidente incapacidade e degradação dos meios do Estado de fiscalizar e contrariar a selva nas relações laborais, de que é exemplo maior a escandalosa paralisia da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), há muito visível e agora mais gritante, no momento em que mais necessária seria a sua intervenção. Os mesmos que também da insustentável ligeireza e patente inaptidão da ministra do trabalho e da segurança social, destra no show-off enquanto as leis laborais extraordinárias são sucessivamente corrigidas e emendadas, e que parece funcionar mais como uma extensão do ministro da economia (ou das empresas?).
O grave escândalo da situação dos trabalhadores precários do sector dos call-centers, onde há empresas que resistem à passagem para o teletrabalho, não garantem aos trabalhadores protecção suficiente nem recursos para o trabalho à distância, assim potenciando focos de contágio e de ameaça à vida em nome da ganância do lucro, aí está a lembrar-nos que é preciso mais sintonia entre discursos e prática na protecção dos trabalhadores em situação mais vulnerável e que asseguram serviços essenciais. Mesmo assumindo todos que não estávamos preparados, nem Estado, nem SNS, nem sindicatos, nem partidos, para aquilo que nos caiu em cima, e que estamos todos a combater esta pandemia com os recursos e saberes disponíveis e evidenciando as fragilidades da nossa condição e dos meios do Estado e da sociedade.
A proclamação do estado de emergência é aceitável como meio de resposta política ao alarme social causado pela pandemia e de controlo dos seus efeitos e como forma de dotar o Estado dos meios excepcionais de intervenção e mobilização dos recursos do sector privado ao serviço do bem comum e do combate eficaz à pandemia. A sua renovação tornou-se necessária, apesar dos riscos e perigos que comporta, porque o seu fim, neste momento de crescimento da epidemia, também daria um sinal errado a toda a comunidade. Todavia, e pelos seus evidentes riscos de derrapagem democrática e de suspensão e limitação das liberdades, o seu enquadramento legal e o seu uso exigem contenção e proporcionalidade e a permanência de meios de controlo democrático, os institucionais, os mediáticos e os da cidadania activa.
O estado de emergência não pode suspender a democracia. A necessária união de esforços contra a pandemia não pode significar abdicação da vigilância, do sentido crítico, do direito de resistência, da mobilização pelos direitos dos trabalhadores e das liberdades sindicais.”
NOTA:
Os sublinhados são da minha responsabilidade
Henrique
Sousa
(Coordenador
da Direcção da PRÁXIS)
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